Você está atrasada para sua vida


Nos bastidores daquilo que a gente é,
existe alguém correndo. Tentando. Criando. Matando sonhos.
Alguém sempre cansada, sempre pensando no que falta, no que precisa fazer, no que precisa ganhar.
Autocuidado é vendido como solução.
Mas até o lazer virou meta:
a melhor skincare, o corpo ideal, a mente plena.
Te dizem para amputar o que sente
porque além da felicidade, nenhum outro sentimento é bem-vindo.
Você precisa crescer.
Você precisa ler mais.
Precisa saber mais.
Passar num concurso.
Alcançar o topo.
Precisa de mais, mais, mais...
Mais autoconhecimento, autocontrole, autoconfiança, autoestima.
Precisa comprar aquele produto.
Ouvir aquele álbum.
Assistir aquela série.
Tudo demais.

Aí você foge para um livro,
tentando encontrar um lugar sem pressão, sem propaganda.
Mas até ali há listas intermináveis.
Livros viram competição: quantos livros mais você vai ler, quantos lisos por semana, mês e ano?
Enquanto isso, você precisa trabalhar,
estudar, se entender, ser feliz,
ter dinheiro, ser um boa filha, uma boa mãe,
estar bonita, em forma, no peso ideal, ser inteligente, mas não tanto, ser feminina (o que seria exatamente isso? Qual a definição exata de feminilidade a que se referem?). Você é velha demais para ser fã, mas nova demais pra decidir se quer ou não um filho que vai te acompanhar a vida toda.
Precisa abrir mão das coisas que te fazem bem,
porque elas não cabem mais nas suas 24 horas.
O seu tempo é realmente seu?
Meu bem...
Você está atrasada demais para viver a sua própria vida.
Irônico, não?
Ninguém vai viver ela por você.
Mas seja honesta:
Será mesmo que você está onde está porque não fez o suficiente?
O que é suficiente pra nós?
Quando algo se torna suficiente,
aparece mais um padrão inalcançável.
Mais alguém vai lucrar com sua insegurança.
Mais alguém vai postar que fez mais.
Conseguiu um cargo.
Leu mais livros.
Chegou lá, embora a gente nem saiba exatamente onde lá fica.
Então…
Você está atrasada para a sua própria vida,
ou é o sistema que te faz acreditar que nada do que você faça vai bastar?
Você está atrasada para viver uma vida que é sua... mas o que você realmente pensaria sobre ela se a gente retirasse todo o contexto cultural, social e a palavra “mulher” de você?
Se tudo isso fosse tirado, o peso das expectativas, os papéis impostos, as cobranças,
o que restaria?

Você chamaria isso de atraso ou se daria conta que está correndo uma maratona que não é sua?

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